quarta-feira, 30 de abril de 2008

O Bolsa-Família é um sucesso?

O bolsa-escola tem dois objetivos: erradicar e aliviar a pobreza. No primeiro, o intuito é transformar pessoas atualmente incapazes de gerar um nível mínimo de renda em trabalhadores mais produtivos, enquanto no segundo a idéia é simplesmente redistribuir os bens produzidos em prol dos que, por algum juízo do planejador, estão consumindo "de menos". No desenho, o programa tem como novidades um mecanismo de incentivos que condiciona o recebimento dos benefícios a manter as crianças na escola, supostamente alterando a decisão privada das famílias de alocar o tempo dos filhos entre estudos e outras atividades; e uma maior preocupação com os possíveis efeitos colaterais, tais como redução da oferta de trabalho dos membros da família que passam a equilibrar o orçamento com menor esforço, aumento das taxas de natalidade, já que o montante recebido é positivamente relacionado ao número de jovens em idade escolar, e "mau uso" do dinheiro por parte das famílias . Outra novidade é um investimento maior no screening do público-alvo.

E o que dizem as avaliações? Bom, as que eu conheço basicamente se preocupam em medir se os efeitos colaterais estão sob controle e se o dinheiro está de fato chegando nos pobres. E os números são bastante satisfatórios. A oferta de trabalho dos homens adultos não se alterou nas famílias recipientes e a das mulheres até aumentou um pouco, e os beneficiários acompanham a tendência geral de redução do número de filhos. O fato do dinheiro ser recebido pelas mães (ao invés dos pais) também parece garantir que uma maior fração seja direcionada aos filhos. Dos objetivos do programa, o segundo tem sido alcançado a um custo satisfatório, indicando que o programa é bem focalizado e que o dinheiro que chega aos pobres faz diferença no final do mês.

Mas o mais importante as avaliações ainda não responderam: estão os jovens participantes ficando mais produtivos e reduzindo a chance de que eles mesmos venham a formar famílias pobres no futuro? As poucas tentativas de encontrar esse impacto são inconclusivas e majoritariamente mal feitas. Quando verificam atendimento escolar, raramente prestam atenção no aproveitamento (qualidade do ensino oferecido e absorção do conteúdo). Também não têm sido cuidadosas em descontar uma parte do aumento de atendimento que teria ocorrido independentemente do programa, acompanhando tendência secular de aumento de escolaridade, nem os efeitos dinâmicos da decisão de estudar mais no presente (por um lado, novas oportunidades aparecem, e por outro o impacto de um ano adicional de estudos sobre rendimentos cresce com as séries escolares, de modo que verificar que uma criança de 7 anos vai à escola é diferente de verificar que uma de 15 continua indo à escola, etc).

Sem isso, o melhor que se pode dizer é que o bolsa-família é um programa de transferência melhor que seus predecessores, mas essas questões estão no ar e precisam ser respondidas para definir a continuidade e abrangência do programa.

domingo, 20 de abril de 2008

Efeito Maria Antonieta

Creio que nossos policy-makers são bem intencionados, e apenas se equivocam na hora de perseguir seus objetivos. Eu dizia antes que às vezes o custo de enforcement dos direitos é ignorado, mas outra característica frequente são os efeitos colaterais de nossas políticas. Um típico é o efeito Maria Antonieta, aquele em que o iluminado lê um report dinamarquês dizendo que todo mundo deveria comer meio quilo de filé mignon por dia e baixa uma norma proibindo os açougues de vender carne de segunda. Seguem 3 exemplos.

Planos de saúde: desde a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar que o esporte nessa seara é ampliar a cobertura dos planos, afinal é "justo" que quem tem plano seja protegido contra todas as intempéries. Mas como a conta não fecha, as seguradoras têm que aumentar o preço (com o problema adicional de seleção adversa que se agrava quando há menos instrumentos para discriminar consumidores), e o resultado é que pessoas que poderiam pagar seguros menos amplos acabam por ficar sem seguro.

Cursos superiores: parte do ódio que o MEC sente pelas faculdades privadas vem da "baixa qualidade" dos cursos, pois quem paga deveria receber um curso pelo menos tão bom quanto o que o Estado oferece, certo? Errado. Há na economia demanda por profissionais com formação mediana, e exceto por algumas poucas áreas em que um mínimo deve ser exigido para exercer a profissão, não há ganho algum em se impedir que cursos piores surjam. Cursos melhores são mais caros e mais difíceis, e fazem com que pessoas que estudariam deixem de estudar e competir por essas vagas medianas, podendo eventualmente melhorar de vida. E como o mercado promove os mais produtivos, as chances de que um desqualificado ocupe um posto-chave que possa prejudicar a sociedade é pequena.

Carteira de trabalho: aqui a exigência é que uma firma só possa contratar um profissional se no pacote também topar pagar o dobro em encargos trabalhistas. Com isso sobram firmas que gostariam de ampliar seus quadros se pudessem ter uma folha de pagamento mais conectada à produtividade do trabalho, e desempregados que abririam mão de alguns benefícios se pudessem trabalhar.


sexta-feira, 18 de abril de 2008

Uma das Heranças Malditas

Salvo engano, as pessoas que lêem este blog têm ou terão com certeza curso superior e um alto nível de renda. Então, o exemplo que vou dar aplica-se facilmente a elas.

Imagine que seu filho deseje ser um jogador de futebol. Ele tem talento para ser um excelente jogador, e com sorte até jogar na Europa. Você, porém, recusa-se a reconhecer o talento do seu filho, recusa-se até a vê-lo jogar. Por que você faria isso? Ora, você fez curso superior, ganha bem e sabe que a probabilidade do seu filho se destacar entre os infinitos competidores é muito baixa. Os competidores do seu filho não tiveram as mesmas oportunidades, não estudaram e só se dedicam ao futebol. Logo, têm uma vantagem comparativa natural. Por outro lado, se seu filho prosseguir nos estudos, poderá ser um profissional competente e que ganhará bem, embora nunca o que ganharia se fosse um jogador de futebol exitoso. Como você é avesso ao risco, você simplesmente boicota as pretensões do seu filho. Do ponto de vista dele, ele ainda é um adolescente, sem forças para enfrentá-lo e, portanto, submete-se e vai virar um economista, digamos. Será um economista medíocre, infeliz, mas, enfim, terá um diploma e ganhará o suficiente para sobreviver.


É difícil discutir a eficiência desse arranjo. Sendo certo que o filho estaria melhor se tivesse ido jogar futebol, será que teria sido pior para o pai(mãe) boicotador(a)? Bem, o que eu quero destacar é o domínio do pai sobre o talento do filho. O pai inibiu o talento do filho e causou dois problemas. Primeiro, se o filho tivesse seguido seu destino e talento naturais, poderia estar mais feliz e ter-se tornado milionário. Segundo, esse pai, conhecido no seu círculo social, tornou-se um exemplo a ser seguido. Seus amigos seguem seu exemplo e têm, sistematicamente, inibido o desenvolvimento do talento de seus filhos. Aquele que queria ser economista, vira advogado porque o pai acha que poderá fazer concurso público. A menina que queria ser médica, vira professora do ensino fundamental, porque a mãe acha que ela tem que ter tempo para o marido e filhos, e assim vai.

Por que estou falando tudo isso? Porque é mais ou menos o que essa ideologia heterodoxa, estatista, (sub)desenvolvimentista, intervencionista faz com o Brasil. Todo mundo acha que é bom, mas nunca experimentou o contrafactual de deixar seu filhos crescerem por si mesmos. Os filhos, no caso, é a iniciativa privada; o pai(ou mãe) é o agente econômico detentor do poder estatal determinando tudo o que deve ser feito e como, sendo admirado por outros pais. E quando chega a filha do compadre, espertíssima, culta e que diz ter evidências de inúmeros outros adolescentes mais felizes porque seus pais os deixaram livres para escolher o que fazer, os pais simplesmente a mandam calar-se.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Freako News!!

(ou FEBEAÁ - Festival de Besteiras que Assola a "Acadimia")

Pesquisadores britânicos mediram os níveis de testosterona e cortisol na saliva de operadores e concluiram que mais testosterona está associada a maiores lucros na bolsa. A explicação é que quando os níveis do hormônio estão mais altos os operadores agem de forma mais irracional, tomando mais riscos do que deveriam (e portanto ??? lucrando mais). Os resultados confirmam outros encontrados em atletas, que tendem a aumentar suas chances de vitória nessas circunstâncias.

Essa notícia está na Folha de hoje, mas achei legal a sugestão de termos um espaço dedicado à "divulgação" de idéias econômicas alternativas. Se souberem de algo, mandem para nós.

domingo, 13 de abril de 2008

A justiça social e a justiça do mercado

Quando nossa espécie decidiu viver em sociedade, o estabelecimento de um conjunto de regras se fez necessário para que as ações individuais não impedissem o convívio coletivo. Nesse sentido a decisão de constituir um Estado de direito e a escolha de seu tamanho refletiram, em cada povo, o tradeoff entre maior liberdade (ou um espaço de estratégias mais amplo), e maior segurança (ou maior previsibilidade nos custos e benefícios associados a uma determinada ação). Na ausência de custos para implementar e monitorar tais normas e leis, a história acaba aí, e esse é o raciocínio que tende a prevalecer na cabeça dos nossos legisladores e bacharéis de direito se ninguém contar para eles que fazer os direitos serem obedecidos custa, e muito.

E o pior que pode acontecer é o legislador ignorar esse fato e seguir em frente, pois a consequência é que o executivo, visto que não há como fazer com que todas as leis sejam respeitadas, escolhe discricionariamente as que irão "pegar", deixando as demais para alimentar as gavetas da burocracia. É essa a mais sutil subversão do ideal democrático, pois além da dificuldade de identificar as culpas do governante, faz com que o primeiro impulso dos cidadãos seja sempre o não-cumprimento das novas regras, até que alguém indique que uma específica veio para ficar.

A conclusão desse raciocínio pode ser interessante. Primeiro, o "tamanho" da legislação deveria respeitar de algum modo uma restrição orçamentária. Países mais pobres deveriam ser mais parcimoniosos na definição de suas prioridades, e priorizar também regras mais fáceis de monitorar. Segundo, países mais ricos tendem a ser mais "previsíveis", se a maior previsibilidade dos payoffs de uma determinada estratégia for um "bem normal". Terceiro, países pobres não necessariamente deveriam tentar imitar à risca a legislação de países ricos. Se a Suécia pode sustentar jovens desempregados por anos a fio ou estender a licença-maternidade aos avós, tios e primos, isso não quer dizer que o Haiti também o possa (ou deva), mesmo que os haitianos achem isso "justo".

O Brasil se encontra nesse aspecto no pior dos mundos: nossa legislação é grande e complicada, o acesso à justiça é caro e o monitoramento por parte do Estado é ineficiente, e no topo disso tudo, uma parcela significativa dos nossos juízes ainda acredita que deve seguir regras não escritas (seus valores pessoais) se acreditarem que com isso estarão promovendo maior equidade.


sábado, 12 de abril de 2008

O Equilíbrio Ruim no Trânsito

Imagine a seguinte situação. Você está trafegando com seu carro e vai passar por um cruzamento. O sinal está verde para você, porém os carros da outra rua não respeitam o sinal vermelho e, indiscriminadamente, avançam mesmo assim. Você e outros motoristas são obrigados a parar, e o sinal fica vermelho para você. Se vocês não fizerem nada, ficarão lá parados até que haja uma brecha, que poderá ocorrer no sinal vermelho ou verde. O que vocês farão? Se viram os outros carros descumprindo a regra de trânsito, certamente avançarão, mesmo no sinal vermelho, antes que a situação anterior se repita e vocês continuem parados. Assim, inicia-se o caos. Conclusão: mesmo que o leitor seja um cumpridor contumaz da lei, é muito provável que vá transgredi-la na situação descrita.

Creio que o leitor que mora em São Paulo, principalmente, já passou por algo parecido. Geralmente, vê-se nessa situação quando um ônibus resolveu avançar a rua e acaba fechando trânsito. Os motoristas fechados reagem e, assim que podem, fecham o trânsito também, e todo mundo fica parado. Entretanto, se todos tivessem respeitado o sinal normalmente, o trânsito não estaria tão ruim.

Por que essa história toda? Para mostrar a situação de caos no trânsito que vivemos não decorre necessariamente de falta de educação no trânsito, mas de um hábito generalizado de descumprir a lei. Mesmo quem não quer descumpri-la, vê-se obrigado a agir assim ante as externalidades negativas originadas por outros motoristas. É quase incontrolável.

Os E.U.A. têm mais carros e é mais fácil obter a carteira de motorista do que no Brasil. No entanto, os acidentes fatais são em muito menor proporção, em razão da fiscalização que há. O custo de monitoramento por veículo nos E.U.A. é muito menor do que no Brasil, porque os motoristas de forma geral respeitam a lei. Não sei se a maioria deles desrespeita as leis de trânsito no Brasil, mas é certo que a proporção daqueles que desrespeitam é tão alta que o custo de monitoramento deles é excessivo, razão pela qual há esse número elevado de acidentes de trânsito em estradas e na cidade e, certamente, congestionamentos.

Há três mensagens que eu queria explicitar a partir dessa história. A primeira é que não adianta tornar mais caro o custo de se obter uma carteira de motorista no Brasil, se continuarmos com essa cultura de não fiscalizar e não punir quem descumpre as regras de trânsito. A segunda é a lição que o Daniel Santos me ensinou hoje: o número de descumprimentos da lei é não-linear, logo o número de fiscais poderá ter que ser bastante elevado para reduzir drasticamente os crimes de trânsito. Uma vez reduzidos, ainda assim terá que se manter um número elevado de fiscais para evitar que se volte à situação anterior de caos no trânsito. A terceira lição é que esse modelo poderia ser aplicado a outros comportamentos coletivos típicos que se observam no Brasil.

Antes que apareça algum heterodoxo desvairado dizendo que estou propondo aumentar os gastos públicos com mais fiscalização, cabe-me dizer que a proporção de renda expropriada da sociedade atualmente é mais do que suficiente para cobrir os custos adicionais de fiscalização. Trata-se apenas de uma realocação de recursos já existentes.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Outra do Picachu

Sempre que eu discuto a crise do IPEA com amigos, vem aquela desculpa de que não se deve perder tempo com isso porque o Pochmann algum dia sai enquanto o IPEA fica. Aí vieram as demissões dos consultores, a recusa do diretor de pesquisa em nomear um editor para a PPE entre os nomes da lista tríplice encaminhada pelo conselho editorial, e as pessoas começaram a achar que a imagem do IPEA pode ficar definitivamente desgastada.

Mas como se diz por aqui, no fundo do poço tem sempre um alçapão. Agora o Picachu e seus amigos resolveram que o IPEA deve ter um mestrado em economia, o que além de desviar a instituição completamente de sua função, gera a suspeita de que, aos moldes do BNDES, o que se deseja no fundo é simplesmente criar mais uma madrastra para doutrinar estudantes (em particular gestores) em suas teorias malucas. E o que é pior: tudo foi discutido à revelia dos técnicos da instituição e comunicado recentemente para ser implementado já no próximo ano.

Não tenho dúvidas de que faltam no Brasil escolas de políticas públicas comprometidas com formulação e avaliação constante de projetos propostos pelo Estado. O problema é que da forma como as coisas são feitas, me parece que este é o último objetivo desta proposta. Nunca é demais lembrar que o governo federal já dispõe da Escola Nacional de Administração Pública e da Escola de Administração Fazendária, e que o mínimo que deveria ser feito num caso desses seria ter ouvido quem de fato entende de políticas públicas na elaboração do projeto.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Aprovação do Presidente

O Presidente do Brasil goza de enorme popularidade após 64 meses do governo, em comparação com seus antecessores.

Não há por que duvidar da pesquisa que lhe dá 58% de aprovação. Assim, a discussão aqui é sobre os incentivos que um indivíduo tem em dar esse voto de confiança. Como se sabe, não há escândalo federal que atinja Lula. Se a eleição fosse agora, ele seria reeleito. Por que tamanha devoção?

Primeiro, a economia mundial favoreceu bastante o desempenho da economia local e o atual mandatário federal fez por bem manter a política monetária do seu antecessor. O leigo não conseguirá distinguir isso, pois a história também não distingue de Médici essa característica.

Segundo, houve o aperfeiçoamento do programa de transferência de renda do governo anterior. Com o auxílio de cavaleiros formados em escolas de economia ortodoxas, como Ricardo P. de Barros, que é doutor por Chicago, o governo foi capaz focalizar seus programas sociais em indivíduos realmente pobres. Mesmos os brasileiros menos favorecidos, mas assalariados, guardam devoção ao presidente, certamente porque conhecem alguém beneficiado pelo Bolsa Família. Ora, como o programa agora é melhor do que qualquer outro que já houve no país, é natural que os beneficiados creditem o sucesso ao atual presidente. É uma consideração objetiva, correta e dificilmente sujeita a controvérsia. Outros elementos que constituiriam necessidades da população como segurança, saúde e educação ou são secundários, ou são associados aos governos locais. O Presidente atual já está nos anais da história ao lado de Getúlio e Juscelino, como um grande estadista... para o padrão brasileiro, bem dito.

Entretanto, é preciso que se diga que o Presidente não é o governante mais bem avaliado no continente americano. Na verdade, ele é o 11.o presidente mais bem avaliado, segundo o instituto de pesquisa Consulta Mitofsky do México. O presidente mais bem avaliado é o colombiano Uribe.

O próximo Presidente não conseguirá tamanha aprovação, pois o atual açambarcou toda a popularidade que poderia advir do bolsa família; os beneficiados associam naturalmente isso ao atual chefe de governo e estado.

À propósito, os economistas ortodoxos são os agentes mais preocupados em formular e avaliar programas sociais, que efetivamente dêem resultado. Infelizmente, não têm tempo para replicar a retórica heterodoxa de que os "neoliberais" estão a serviço do capitalismo e contra os pobres, justamente porque estão trabalhando em prol das camadas menos favorecidas da sociedade. O exemplo máximo, sintetizando tudo o que se podia falar sobre isso, está representado no nome mencionado neste post.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Pedágio Urbano

Estou esses dias na minha amada cidade de São Paulo e é impossível não notar como o trânsito da cidade piorou. Os motivos que levaram a isso todo paulistano sabe de cor: baixo investimento no metrô e agora o aumento na demanda por carros novos têm levado o trânsito à beira do caos. A minha opinião neoclássica, como diria o De Losso, seria cobrar pedágio para transitar no centro expandido. Essa idéia já têm sido defendida por alguns especialistas em trafego, citando o exemplo de Londres. Até ai, eu não estou inventando nada. O que eu me pergunto é: como convencer a população a aceitar essa medida, por mais importante que seja. Segundo dados da pesquisa de Origem e Destino na região metropolitana, apenas 30% da população utiliza o próprio carro para se locomover. Os demais 70% se dividem entre transporte coletivo - nas suas diferentes modalidades - e a pé. Por incrível que pareça, aproximadamente 30% dos entrevistados vão à pé para o trabalho. Isso significa que o sistema de pedágio deve convencer estes 30% a não utilizarem seus carros. Uma alternativa seria reduzir as tarifas de taxi na cidade - que são extremamente caras, se comparado com Nova Iorque, por exemplo - para induzir esses motoristas a deixar o carro em casa. Enquanto isso, o dinheiro arrecadado no pedágio poderia ser destinado à ampliação do metrô. Essa é uma idéia e gostaria de escutar outras sobre como convencer os motoristas de São Paulo a aceitar o pedágio urbano.

Aparte ao pedágio urbano

Certíssimo Heleno. E conversando no último domingo com um jornalista muito meu amigo e que acabava de entrevistar o Kassab, eu soube que uma antiga desculpa para o baixo investimento em metrô, a de que o município não tem recursos para investir, é totalmente furada! Acontece que a maturação desse tipo de investimento é longa e em geral beneficia apenas os sucessores do prefeito que iniciar um projeto. Aí a bola é empurrada para o estado, que de fato antes da constituição de 88 tinha mais recursos, mas que por outro lado tem sempre a desculpa de que não pode concentrar o dinheiro ainda mais no município que já é mais rico. Nosso prefeito chegou mesmo a admitir que atualmente o município tem sim MAIS recursos disponíveis que o estado, já que as vinculações são menores.

Outro problema são as desapropriações, que sempre desagradam um monte de gente. Nunca é demais lembrar que graças a abaixo-assinados e liminares, duas estações previstas na linha 4 foram canceladas (isso mesmo, entre o Eldorado e o Shopping Butantã não haverá uma parada sequer). Então parte do problema não é falta de recursos, mas de incentivos para alinhar a vontade do administrador à da maioria da população e não deixar que um grupo capture-o.

domingo, 6 de abril de 2008

A universidade-jabuticaba

O Brasil pode se orgulhar de ter uma das políticas sociais mais concentradoras de renda do mundo, na forma de subsídio direto ao acúmulo de capital humano. Segundo o site do INEP, cada aluno de uma universidade pública brasileira custa cerca de 10 mil reais anuais ao erário (menos do que os US$5100 gastos na Grã-Bretanha e bem menos que os US$4000 dos canadenses), dinheiro proveniente de impostos de todos e que vai proporcionar aumento de bem-estar de uma minoria que vai obter um diploma gratuito e um aumento de salários de mais de 50%, em média.

Os gastos na universidade-jabuticaba também não são submetidos a avaliações rigorosas de desempenho. Do lado dos que ensinam, prevalece a isonomia salarial, com variações de rendimentos muito mais relacionadas a senioridade e ocupação de funções burocráticas na estrutura das instituições do que à produtividade científica propriamente. Já não estamos 30% abaixo da média latinoamericana em produção por doutores, como no auge da crise universitária dos anos 90, mas ainda não conseguimos sequer alcançar nossos vizinhos. E como em grande parte das áreas os custos para se manter um departamento são proibitivos ao setor privado, apenas o Estado investe e no final ainda se orgulha de ser responsável pela maior fração da parca produção nacional. A performance didática tampouco é satisfatória, sendo comuns os casos de professores mau avaliados por anos a fio sem que haja qualquer forma de repreensão.

Do lado dos que estudam, o dinheiro gasto guarda pouca relação com o aproveitamento escolar. É permitido inclusive aos já formados fazer um segundo curso gratuitamente (algo que nem o socialismo cubano aceita), as regras de jubilamento são frouxas e frequentemente descumpridas, há extrema tolerância com violações elementares do código penal (invasões com manutenção de funcionários cativos, saques a restaurantes universitários, etc.), e mesmo os critérios de premiação como notas, bolsas,e tc, são frequentemente desvinculados do mérito acadêmico.

Mas tudo isso é sabido e não é de hoje. O mais preocupante para mim é saber para onde o barco está andando. Ao mesmo tempo em que os governos estaduais e federal anunciam aumentos significativos nos gastos do setor, especialmente com a abertura de novas universidades, as estatísticas de evasão atingem um pico de 48% (chegou a ser anunciado que o número de formados diminuiu apesar do maior número de vagas disponíveis). Nesta semana foi celebrado como vitória pró-igualdade a sentença do supremo autorizando os regimes de cotas, o que se por um lado de fato pode alterar as diferenças por cor, provavelmente vai exacerbar as diferenças intra-raças, já que o mesmo fenômeno de subsídio público ao benefício privado vai se manter. E no topo disso tudo, é explícita a aversão dos formuladores de políticas educacionais ao aumento da participação do setor privado na provisão de serviços desse tipo.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Legados da Revolução de 1964

Há poucos dias, "comemoramos" os 44 anos da Revolução de 1964. Talvez lembrando-se disso, nosso presidente apedeuta elogiou o presidente Geisel. Por quê? Por causa das altas taxas de crescimento daquela época.

De fato, muita gente gosta do período militar em razão das altas taxas de crescimento havidas nos governos Médici e Geisel. A interpretação é equivocada. Vou explicar por quê.

Há duas heranças, de fato malditas, do regime militar. A primeira é a megainflação decorrente da indexação de contratos e salários, idealizada, vejam só, por Roberto Campos. Claro que ele se arrependeu da infeliz idéia depois. Infelizmente, ainda não nos livramos dessa estupidez. Vejam vocês que contratos de aluguel e tarifas públicas, por exemplo, ainda adotam essa excrescência, mas estamos no bom caminho.

A segunda herança maldita é a idéia é associar o crescimento espetacular durante o governo militar à intervenção estatal, como se fosse a panacéia. E, aliás, os heterdoxos adoram usar o exemplo do governo que combateram para justificar suas idéias mirabolantes. Há dois erros crassos, no meu julgamento, a respeito dessas conclusões.

Sem contar que a base inicial é baixa, por isso o crescimento foi alto, o primeiro erro crasso é deixar de associar às condições econômicas favoráveis de então o crescimento durante o governo Médici. A história se repete, claro, e é isso que se faz presentemente.

O segundo erro crasso é achar que o crescimento do governo Geisel não veio caro. Deveria ter havido um ajuste no primeiro choque do petróleo, mas ele preferiu emprestar dinheiro para sustentar a implantação das estatais. Segundo, porque esses empréstimos saíram caro na década seguinte, não só pelos juros altos, mas principalmente pela estagnação que isso gerou durante mais de 20 anos.

O regime militar é mais um exemplo do que não deve ser feito no Brasil. Exatamente por causa dele, não saímos do lugar até hoje, inclusive do ponto de vista político-ideológico, que não me compete discutir. É curioso ninguém associar a estagnação dos anos 80 e 90 à política econômica dos militares.

Apenas para dar um exemplo, que sintetiza aquela revolução do ponto de vista econômico como um atraso do qual não nos livramos ainda, lembro o estabelecimento da reserva de mercado de informática. Hoje, exportamos softwares e cérebros em computação. Imagine o que seríamos, se tal reserva não tivesse existido.

À propósito, tenho a impressão que nasce no início da década de 80 com as maxidesvalorizações do Ministro Delfim Neto a idéia de que exportar é o que importa. Lembro-me da propaganda na televisão dizendo que o país lograra contas superavitárias em seu balanço de pagamentos.

O estatismo é uma política heterodoxa, promovida pelos militares, ironicamente como decorrência do combate ao comunismo. Creio ser por isso a predominância de idéias heterodoxas nos meios de comunicação.

Essa concepção estatista origina-se num passado distante. Não creio que um regime civil tivesse sido muito diferente do que ocorreu. Nosso subdesenvolvimento é cultural, decorrente de uma história perpétua de heterodoxia (sub)desenvolvimentista, que provavelmente começou nas capitanias hereditárias.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

O "Neoliberalismo" de FHC

Embora eu ainda não saiba o que significa o termo neoliberal, costumo lê-lo associado a uma ideologia de redução do estado. Isto é, "neoliberalismo" seria equivalente a estado mínimo.

Muita gente também associa o termo ao governo FHC, embora o próprio ex-presidente, numa forma de negar-se como neoliberal, diz claramente em seu livro "A Arte da Política" que nunca se rendeu ao mercado (donde concluo que neoliberalismo é render-se ao mercado, seja lá o que significa o termo rendição). Não sei porque ninguém acredita nele, já que FHC foi formado numa tradição heterodoxa. Mas, já que ninguém acredita, vamos a alguns fatos que provam que FHC não mente nesse caso.

Algumas medidas econômicas do governo FHC se destacam. Menciono:

1. Flexibilização do câmbio em janeiro de 1999;
2. Sistema de metas de inflação, efetivo a partir de 2000;
3. Privatizações;
4. Impostos.

Vou discutir esses pontos rapidamente.

Câmbio Flexível

O câmbio flexível é uma medida ortodoxa. Então, a primeira conclusão é que o FHC é metade ortodoxo e metade heterodoxo. O que o define, verdadeiramente, como heterodoxo é não ter flexibilizado o câmbio antes, quando podia. A flexibilização do câmbio em 1999 não se deu por vontade política, o que caracterizaria uma política ortodoxa, mas porque não havia outra saída. Foi a necessidade econômica que impôs a flexibilização do câmbio. Portanto, não é por isso que o FHC seria "neoliberal".

Metas de Inflação

Trata-se de uma sistema de cunho ortodoxo. Ainda que eu veja sua eficácia com restrição, como falei em posts anteriores, trata-se de uma medida política, ainda que possa ser mal usada. Não é, pois, uma imposição de mercado ou econômica, mas uma recomendação razoável.

Privatizações

Sem contextualizar, as privatizações seriam, de fato, uma medida ortodoxa. Mas, há duas óbices no caso FHC. Primeiro, as privatizações das teles, por exemplo, foram feitas segundo regras heterodoxas, ou há quem acredite que a indexação de tarifas à inflação passada trata-se de uma medida ortodoxa? Na verdade, todas as privatizações foram feitas segundo uma lógica arrecadatória estatal, com fins de pagar a dívida pública. A idéia era: vamos vender as estatais ao maior preço possível. Para isso, garantimo-lhes tarifas reajustadas de acordo com inflação (o fator X é relativamente baixo). Essa garantia dá-lhe um lucro real previsível e constante e dá-nos uma arrecadação tributária real também previsível e constante. Essa foi a lógica das privatizações. A lógica ortodoxa seriam reajustes pré-fixados de tarifa, revistos periodicamente. Se os reajustes são pré-fixados, as empresas teriam incentivos a maiores ganhos de produtividade, o que beneficiaria o consumidor. Outro fenômendo heterodoxo é a falta de competição de modo geral, mas sobretudo no setor de telecomunicações, talvez pela falta de agências reguladoras fortes e competentes (há quem diga, contudo, que agências reguladoras podem ser capturados pelo regulado).


A segunda óbice é o que não foi privatizado e que, claramente, mostra o viés anti-"neoliberal" do governo FHC. Por que o governo precisaria de dois bancos grandes como Caixa Federal e Banco do Brasil? Por que ainda existem o Banco do Nordeste, as companhias geradoras de energia, o BNDES, a Petrobrás? Ora, se foi possível privatizar a Vale do Rio Doce, por que não seria possível privatizar as demais empresas? Creio que a manutenção dessas estatais já seria suficiente para classificar definitivamente o governo do FHC de heterodoxo, mas há mais.

Impostos

É aqui que se evidencia, nitidamente, o viés heterodoxo de FHC. A participação da arrecadação tributária em relação ao PIB aumentou entre 1994 e 2002 16% (e continua aumentando), passando de 27,90% para 32,35% (segundo dados do IPEA). Acompanhe o gráfico desde 1990:















Creio que isso define bem o governo FHC. Aí pergunto, como pode um "neoliberal" ser ao mesmo tempo a favor do estado mínimo e agir de forma a aumentar a participação do estado na economia?






Conseqüências do Déficit em Transações Comerciais

O déficit em transações comerciais é explicado aqui. Quais as conseqüências? Elas são meio óbvias, por isso serei um pouco repetitivo.

Qualquer que seja a predominância da pautas de importações, se de máquinas e equipamentos ou bens de consumo final, o déficit em transações tende a valorizar o dólar. Num prazo médio, a balança volta a se equilibrar, porque os preços dos bens exportados caem e dos bens importados, sobem. Aqueles que queriam ver a desvalorização do dólar ficarão felizes. Enfim, se antes achava-se que o dólar estava desvalorizado, trata-se do movimento reverso, natural.

Portanto, a mensagem é: o câmbio é flexível, então o mercado se ajusta rapidamente. Quantos aos contratos pré-estabelecidos, normalmente já estarão em "hedge" da bolsa do Brasil ou do exterior. (Sem contar que o exportador/importador sabe dos riscos do seu negócio e coloca, portanto, isso no preço).

Há muitos "economistas" (entre aspas mesmo) dizendo que o governo deveria intervir no câmbio ou "não disse? agora é tarde" e coisas do gênero. Estupidez e desonestidade intelectual. Esses mesmos economistas escamoteiam a história, dilapidam a realidade, distorcem fatos e números, mas é fato o seguinte: as intervenções do governo no câmbio sempre acabaram sendo desastrosas. No "Processo de Substituição de Importações" havia câmbio para importação e câmbio para exportação, recrudescendo nosso atraso e distorcendo a economia. A última intervenção séria do governo no câmbio foi durante a presidência de FHC, que gerou ataques às reservas, tão-somente porque o câmbio era fixo.

Finalmente, eu queria que alguém me explicasse esse viés exportador que existe neste país, como se importar conhecimento a preços baratos fosse ruim, como se importar produtos a preços baratos fosse ruim, já que estimula a competição, gera bem estar à sociedade e estimula a poupança. Se alguém souber a resposta, fique a vontade para replicar.

Clique aqui para ler outro post no qual escrevo sobre os superávits no balanço comercial.