domingo, 13 de abril de 2008

A justiça social e a justiça do mercado

Quando nossa espécie decidiu viver em sociedade, o estabelecimento de um conjunto de regras se fez necessário para que as ações individuais não impedissem o convívio coletivo. Nesse sentido a decisão de constituir um Estado de direito e a escolha de seu tamanho refletiram, em cada povo, o tradeoff entre maior liberdade (ou um espaço de estratégias mais amplo), e maior segurança (ou maior previsibilidade nos custos e benefícios associados a uma determinada ação). Na ausência de custos para implementar e monitorar tais normas e leis, a história acaba aí, e esse é o raciocínio que tende a prevalecer na cabeça dos nossos legisladores e bacharéis de direito se ninguém contar para eles que fazer os direitos serem obedecidos custa, e muito.

E o pior que pode acontecer é o legislador ignorar esse fato e seguir em frente, pois a consequência é que o executivo, visto que não há como fazer com que todas as leis sejam respeitadas, escolhe discricionariamente as que irão "pegar", deixando as demais para alimentar as gavetas da burocracia. É essa a mais sutil subversão do ideal democrático, pois além da dificuldade de identificar as culpas do governante, faz com que o primeiro impulso dos cidadãos seja sempre o não-cumprimento das novas regras, até que alguém indique que uma específica veio para ficar.

A conclusão desse raciocínio pode ser interessante. Primeiro, o "tamanho" da legislação deveria respeitar de algum modo uma restrição orçamentária. Países mais pobres deveriam ser mais parcimoniosos na definição de suas prioridades, e priorizar também regras mais fáceis de monitorar. Segundo, países mais ricos tendem a ser mais "previsíveis", se a maior previsibilidade dos payoffs de uma determinada estratégia for um "bem normal". Terceiro, países pobres não necessariamente deveriam tentar imitar à risca a legislação de países ricos. Se a Suécia pode sustentar jovens desempregados por anos a fio ou estender a licença-maternidade aos avós, tios e primos, isso não quer dizer que o Haiti também o possa (ou deva), mesmo que os haitianos achem isso "justo".

O Brasil se encontra nesse aspecto no pior dos mundos: nossa legislação é grande e complicada, o acesso à justiça é caro e o monitoramento por parte do Estado é ineficiente, e no topo disso tudo, uma parcela significativa dos nossos juízes ainda acredita que deve seguir regras não escritas (seus valores pessoais) se acreditarem que com isso estarão promovendo maior equidade.


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