quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Trânsito, Alcolismo e a "Solução"

Hoje, 23/01/2008, saiu no Estado de São Paulo que há 150 mil motoristas que dirigem alcolizados nas capitais brasileiras. Além disso, pesquisa feita Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) mostra que 45,5% das pessoas mortas em acidentes de trânsito tinham um nível de álcool no sangue acima do tolerado legalmente.

Segundo a reportagem, o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, afirma que a sociedade brasileira é passiva diante desses delitos e, por isso, alguém lhe deve ter soprado a idéia de impor normas mais rígidas para a concessão da carteira nacional de habilitação.

Os acidentes de trânsito são um problema social, cujos prejuízos atingem bilhões de reais. Há prejuízos absorvidos na esfera privada e boa parte deles na esfera pública quando policiais, bombeiros e ambulâncias são deslocados para atender esses eventos. Além dissos, os custos hospitalares públicos decorrentes disso são absurdos. Portanto, obviamente algo tem que ser feito de modo geral, para evitar aumento de índices de acidentes como ocorrido no fim do ano passado. Em particular, é inadmissível ocorrerem acidentes por alcolismo, trata-se de uma irresponsabilidade sem tamanho e merece punição severa.

Dito isso, vamos ao que o ministro falou. A sociedade brasileira é passiva? Ora, a legislação punitiva está posta pela sociedade. O que falta? Sintetizando, creio que faltam duas ações. Primeiro é fiscalizar, segundo é punir. A primeira ação claramente inexiste por duas razões, umas das quais sórdida. A primeira razão é a inexistência de uma legislação que encarcere o agente executivo que deixa de cumprir sua função fiscalizatória, quando há risco de morte. Isso a sociedade pode mudar, mas não creio que consiga por causa das minorias infiltradas no poder que perderiam com isso. A segunda razão, a sórdida, é achar que o controle de velocidade por meio de radares eletrônicos resolve o problema. É aí que está a questão. As autoridades fiscalizatórias, e arrecadatórias, escondem-se atrás dos radares, como se isso fosse impedir um motorista alcolizado de acidentar-se depois do primeiro radar que nem viu passar. A atitude correta seria parar o carro em alta velocidade, justamente para impedi-lo de acidentar-se, tal como é feito em países civilizados. Quanto à segunda ação... bem, não há punição, não por falta de leis, mas talvez por excesso de leis.

O Ministro sabe que a ação correta é utópica... no Brasil, claro. Então, um luminar qualquer propõe normas mais rígidas para a concessão da carteira de habilitação, que já é rígida além de absurdamente cara. É uma estupidez atroz, porém não é surpresa, já que o Brasil é heterodoxo. Primeiro, supõe-se que os motoristas alcolizados estão entre aqueles que não obteriam a carteira de habilitação sob normas mais rígidas. Claramente, não há como dizer que essa hipótese é correta. Segundo, não há como dizer que as normas mais rígidas conseguirão identificar os motoristas que dirigirão alcolizado. Porém, a proposta tem vigor, porque o emissor das carteiras de habilitação, absolutamente incapaz de diferenciar os agentes sóbrios dos alcolizados, prefere punir uma maioria que agirá corretamente para, discutivelmente, impedir uma minoria de digirir alcolizada.

Agora, analisando o mérito da proposta anterior com experiência de países civilizados, emerge gigante a ineficácia da proposta. Os requisito para obter habilitação nos EUA são mínimos, nada da palhaçada que é no Brasil. O motorista faz uma prova escrita nos moldes do Brasil, exame de vista e exame prático acompanhado por um fiscal na primeira habilitação. Não há psicotécnico. Quanto custa? US$ 10 em Illinois. Quanto tempo demora? 3 horas. O índice de acidentes em Illinois é maior do que o no Brasil? Há mais motoristas alcolizados dirigindo em Illinois do que no Brasil? Não e não. Por quê? Porque há fiscalização e punição.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Cogito, ergo fumo

O processo de expansão da ciência é curioso: alguém pensa num assunto novo, surge uma base de dados que permite investigar algo que ninguém conseguia medir, o avanço técnológico supera antigas barreiras a cálculos mais complexos, etc. E em pouco tempo até os alunos de direito já sabem o que está se passando e têm uma opinião sobre o assunto.

E o que está "de moda" é o processo de formação das habilidades cognitivas e não cognitivas das pessoas, bem como os efeitos disso sobre oportunidades e resultados econômicos ao longo da vida. As pesquisas mostram que a capacidade de raciocínio é formada bem no início da vida, especialmente antes dos 4 anos, e atinge o pico ao redor dos 20 anos, enquanto a capacidade de socialização e comunicação é construída de modo mais lento. A primeira tem maior importância na determinação dos salários, enquanto a segunda desempenha um papel central na estabilidade familiar, etc.

Mas hoje eu soube que há forte evidência de que pessoas com melhor raciocínio são mais propensas a experimentar drogas, de todos os tipos e em todas as idades. Quem diz é Gabriela Conti, da Universidade de Essex, na Inglaterra, que tem usado a British Cohort para demonstrar seu ponto (e não, não há a menor chance da causalidade ser na outra direção, pois as crianças começam a ser seguidas aos 7 anos de idade). Por enquanto a melhor explicação ainda é que inteligência e curiosidade andam lado a lado, mas quem tiver procurando um tópico de pesquisa, essa pode ser uma boa opção.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

O quanto a gente (não) sabe sobre educação

Só hoje eu percebi que há uma contradição fundamental neste blog: o principal motivo para existir era poder falar de coisas que a gente acha interessante, mas por outro lado a maioria de nós está em fase de concluir a tese, o que torna os assuntos interessantes extremamente raros. Eu sei, muitos discordam, e por isso algum dia ainda vou postar algo sobre métodos numéricos eficientes para resolver integrais múltiplas. Algum dia.
Mas quando pensava que o "assunto" tinha hibernado nesse inferno polar em que essa cidade se transforma no inverno, eis que aparece por aqui o PB. Para quem não conhece, o PB, é um dos maiores especialistas em distribuição de renda, educação e avaliação de políticas públicas do mundo, e veio passar o trimestre ensinando em nossa universidade. Para resumir, o "assunto" persegue o PB como o cavalo persegue o torrão de açúcar.

E o assunto foi o PISA, essa base de dados que ficou famosa por ter entre outras informações uma prova aplicada a uma amostra de jovens de 15 anos de mais de 20 países, e que todo ano mostra quão fraco é o ensino brasileiro. O fascinante dessa base para quem quer trabalhar com isso é que na verdade há um conjunto muito maior de informações e que são comparáveis entre diferentes países (coletadas com a mesma metodologia, medida nas mesmas grandezas, etc.), o que é raríssimo.

Bom, enquanto a mídia e a maioria dos pesquisadores foi tentar entender os resultados dos testes, o PB foi tentar entender como variavam os hábitos de leitura dos jovens entre diferentes países, já que há na base uma dezena de informações sobre disponibilidade de bibliotecas, livros em casa, potenciais substitutos para o uso do tempo livre (internet, tv,etc.), e o que ele encontrou foi que os brasileiros lêem com frequência superior à média, que esse efeito ocorre nas diversas faixas de renda, e que a leitura tem significativa proporção de livros "de verdade" (e.g. romances). Isso mesmo, o brasileiro lê muito e vai mal na prova!

O trabalho ainda está em andamento, então podem surgir explicações para este fenômeno, but so far this sounds puzzling, doesn't it?.