segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O FED e a Mocidade (por Rafael Souza)

Muito se argumenta sobre a política monetária implementada pelo FED nos últimos 10 anos e até que ponto esta política teria culminado na atual crise. No entanto, pouco se comenta sobre uma outra função, tão importante quanto, também exercida pelo FED: a de agente regulador do sistema bancário (junto com FDIC, OCC e OTS - outros órgãos reguladores). Nos dois parágrafos seguintes descrevo minha leitura da atual crise e porque aponto como culpados os agentes reguladores e não os bancos.

A função bancária sempre esteve ligada primariamente a dois tipos de risco: risco de crédito - advindo da carteira de empréstimos - e risco de termo de taxa de juros - advindo do descasamento de prazo entre passivos e ativos. Ambos apresentam como característica básica distribuição de retornos extremamente assimétrica. A função primeira e óbvia do regulador bancário, portanto, é mapear a exposição a eventos de cauda e garantir níveis adequados de capital para cobrir perdas advindas dos respectivos cenários de baixíssima probabilidade. Fica claro que os agentes reguladores americanos falharam de forma crassa, ludibriados pela cortina de fumaça gerada pela inovação fomentada nos bancos de investimento em Wall Street.

Enquanto CDOs, CDO2s, CMBSs e outras criações da engenharia financeira eram propagandeadas como forma de melhor diversificar o risco de crédito e reduzir o risco sistêmico, os reguladores não enxergaram um rio de nuances que mais tarde viria a cobrar um preço extremamente caro a toda sociedade. Primeiro, os CDOs acentuaram a assimetria de retornos advinda do risco de crédito, reduzindo a probabilidade da materialização de cenários negativos (nas tranches mais seniores). Isto incentivou a tomada de risco, aumentando o tamanho das perdas nos cenários improváveis. Segundo, os CDOs transferiram este tipo de risco - com distribuição de retornos extremamente assimétrica -para a mão de entidades não-reguladas (hedge funds) e sem a expertise de gestão de crédito dos bancos. E terceiro, os CDOs sintéticos aumentaram a quantidade total de risco no sistema. Três ações de impacto extremamente
relevante que, assim como na física, pediam uma reação imediata dos órgãos reguladores, que simplesmente nao ocorreu.

É preciso entender que nem os incentivos e nem o principal tipo de risco incorrido pelos bancos mudou. Os bancos agiram conforme o script, dados os incentivos. Do lobo mal se espera sempre que ele queira comer a vovozinha. Os agentes reguladores, no entanto, dormiram no ponto e sonharam. Sonharam que 10 anos de inovação em derivativos de crédito trariam apenas benefícios ao sistema financeiro; que o incentivo dos bancos de investimento teria deixado de ser de curto prazo; e que traders e estruturadores estariam desenvolvendo novos produtos para melhorar a eficiência de distribuição de risco pelo sistema. O samba da Mocidade finalmente encontrou seu contraponto: sonhar está custando alguns bilhões de dólares à economia
americana.

2 comentários:

Anônimo disse...

Apesar de não conhecer os CDOs, CDO2s, CMBSs, o texto é claro e elucidativo. Parabéns!
Como leigo, tomo a liberdade de perguntar sobre a responsabilidade dos bancos nas análises da exposição a eventos de cauda, papel atribuído por você aos orgãos reguladores.
Forte abraço e apareça em sua terra natal.
Gustavo Gomes

Guccio disse...

Voce acha que as recomendacoes de Basel II foram esquecidas pelos orgaos reguladores?